domingo, 17 de maio de 2009

Rascunho de um amor-perfeito



Fiz um poema que falava de metade dos dedos e andava numa perna só.
Do único olho que tinha podia avistar-se o mundo.
Lá ao fundo, lá ao fundo…
Fiz um poema sem sexo definido, quase travestido, por não saber o que querer.
Por não saber, por não saber…
Fiz um poema até quase me doer.
Parecia, por mais voltas que o mundo desse, que nem mesmo que quisesse,
O poema era sempre a metade de um todo, e a outra metade tinha fugido com um tolo.
Se eu pudesse, se eu pudesse…
Agarrar este rascunho e cerrar um punho, e quase morrer.
Escrever, escrever…

Um dia voltei a pegar-lhe.
Nas mãos delicadas que lhe nasceram prolongavam-se dedos finos como pincéis.
Começou a pintar-me.
Primeiro um olho no exacto local onde me faltava,
Depois uma perna paralela à outra para me fazer andar.
E eu andava, andava...
Distraído e ocupado a pensar.

E se hoje vivo com esse poema na cama, e tem formas belas de mulher,
Metade de mim é perfeita para a amar, a outra metade nem quero imaginar.

José Torres

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