sexta-feira, 25 de junho de 2010

Missa de oitavo dia


Está interiorizado, na mente de quase todos (ou, pelo menos, dos católicos) que se deve, após a morte dum ente querido, celebrar a missa de sétimo dia. Talvez porque ao sétimo dia, Deus descansou e se entende que o defunto também está, finalmente, a entrar no seu período de descanso.
Sou católica mas confesso que não entendo a necessidade desta missa. Aliás, como não entendo muitas das cerimónias feitas em redor da morte, onde, muitas vezes, se usa, e abusa, dos sentimentos dos familiares para se ganhar dinheiro (e muito dinheiro mesmo).
Porque a morte nunca me fez confusão, e porque a aceito a com a naturalidade com que se aceita tudo o que é inevitável, resolvi, hoje, celebrar uma missa diferente. E porque nem sempre a missa do sétimo dia é celebrada no dia devido, hoje vou celebrar a missa do oitavo dia do meu avô.
O meu avô faleceu há pouco mais de sete anos. Tive, na véspera da sua morte, a oportunidade de lhe dizer o quanto o amava. Não há dia nenhum que não me lembre dele e que não sinta uma saudade enorme. Dele, do seu assobio inconfundível, das torradas que só ele sabia fazer e das conversas que tínhamos.
Avô, onde quer que estejas, sei que estás feliz por veres que, tal como me pediste, tenho cuidado da tua bisneta mais velha, tal como tenho cuidado do bisneto que sabias que ia nascer e me disseste logo que já não o irias conhecer. De certeza que também estás feliz por ver o teu outro bisneto, aquele que herdou o teu nome, a tornar-se num lindo menino e a cuidar da irmã que tem o nome da tua irmã. Avô, a tua história de amor com a avó abriu-me as portas para a escrita, sabias? Até nisso me acompanhaste. Ah, e sim, tenho entregue os impostos da avó como me pediste. E já viste, com certeza, que vai nascer mais um bisneto, filho do teu neto.
Como te prometi no dia do teu funeral, a todos os teus bisnetos falo de ti. Quero que eles saibam que nós, as mães deles, tiveram o melhor avô que se pode querer (ou, como a avó dizia, o melhor advogado de defesa).
Já percebeste também que a família continua unida como sempre foi. Umas discussões aqui, outras ali, mas nada nos afasta uns dos outros, como sempre quiseste. A nossa união mantêm-se por nós, mas também por ti, que foste, com a avó, a razão da existência desta família.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Férias numa Sesimbra invadida pelos franceses


A meio do terceiro período escolar, os meus pais mentiram-me: disseram, a mim e ao meu irmão, que tinham tirado dias de folga para irmos a Sesimbra. A mãe disse que o nosso carro ia para a oficina, e que tínhamos de ir ao aeroporto buscar o seu afilhado, que vinha da Madeira, no carro da tia. Mas a mãe também disse que, quando fossemos para o aeroporto, tínhamos de levar as malas porque a tia tinha de ir às compras e ia comprar muita coisa e as malas não iam lá caber. Eu e o Martim (o meu irmão) acreditamos. Eu e o Martim, que estávamos a fazer as malas, ouvimos a mãe dizer, alto e bom som, que íamos ver um avião por dentro.
Quando chegamos ao aeroporto, a mãe foi entregar as malas e mandou-nos irmos dar uma volta pelo aeroporto. Quando a mãe regressou, já sem as malas, fomos para a sala de espera do aeroporto. A mãe apontou para um avião e disse que era aquele que íamos visitar.
Passado um bocado, fomos para o avião vê-lo por dentro. A mãe disse que tínhamos de fingir que íamos voar e, portanto, tivemos de nos sentar.
Quando o avião estava prestes a levantar voo, entrei em pânico, e estava sempre a dizer: mãe vamos sair! Mãe vamos sair!...
E continuava desesperada, quando a mãe nos diz: Afinal não vamos para Sesimbra, vamos para Paris!
Eu fiquei de boca aberta e cada vez mais em pânico e perguntei: mãe, o piloto é experiente? Ele já fez muitos voos? Este avião é seguro?
E perguntei muitas mais coisas, ao que a mãe respondeu: sim, este avião é o mais seguro. A TAP (Transportes Aéreos de Portugal) é a companhia de aviões mais segura e ainda só teve um acidente com estes aviões mas foi há muito muito tempo.
Mais tranquila, sossegada e com menos pânico, deixei-me ficar sentada. Momentos depois, a mãe disse que o avião ia levantar voo e, na verdade, começou a andar.
- Tamos a andar – disse o Martim.
- Claro que estamos, não querias ficar aqui parado o tempo todo, Martim – murmurei eu, mas nem a mãe nem o Martim ouviram.
- Encostem-se, vamos começar a andar mais depressa e depois vamos voar!
E começamos mesmo a voar. Íamos a uma grande velocidade.
- França, aqui vamos nós! – disse eu – Paris, aqui vamos nós!

Maggie, 9 anos

Esta é a primeira parte da história das últimas férias em família, escrita pela minha filha e que eu, como mãe muito orgulhosa, resolvi mostrar-vos a todos.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Férias e outras loucuras

Estamos a chegar a mais um período de férias, daquelas férias que, nos meus bons tempos de escola, chamava de grandes. Eram quase três meses de descanso. A maior parte desse tempo era passado na casa dos meus avós maternos (os meus avós paternos faleceram antes de eu nascer), e, logo que os meus pais tinham férias, íamos todos para um outro lado.
Também acontecia, outras vezes, irmos com os meus avós para a praia ou para o campo, e, quando começavam as férias dos meus pais, eles iam lá ter para ficarmos todos juntos.
Se a maior parte das vezes o período de férias era passado no mesmo sítio, outras havia em que o carro era o nosso poiso e que fazíamos vários quilómetros por dia. Foi assim que conhecemos o Norte de Portugal. Mais raras eram as viagens para o estrangeiro, mas que também aconteceram. Nova Iorque e Londres foram as duas cidades que conhecemos em família, tal como o sul de Espanha. De quase todas as férias há histórias loucas que ficaram e que me fazem sorrir quando me lembro delas. Principalmente daquelas onde fui a protagonista (não necessariamente de forma positiva…).
Quando eu tinha cinco ou seis anos os meus avós alugaram um apartamento em Lagos para irmos os três para lá. Os meus pais iriam, passado uns dias, lá ter connosco, com a minha irmã do meio que teria ano e meio, dois anos. Fomos de comboio do Barreiro até Lagos e a viagem correu lindamente. Sempre gostei de viajar de comboio, estava com os avós que adorava e com quem estava diariamente e, além disso, tinha o meu Paulinho comigo (num aparte, o Paulinho era um palhaço com o corpo de pano e cheio de serradura. Ainda hoje o tenho apesar de ter um buraco enorme no nariz por onde está a perder a serradura). Tudo se conjugava para que não houvesse problemas. Excepto eu, que, assim que o comboio parou na estação de Lagos e nós saímos da carruagem, abri a goela, desatei a chorar como se me estivessem a matar, agarrada ao meu Paulinho e só me calei quando os meus avós (santos avós!) compraram o bilhete de regresso e entramos no comboio seguinte, que nos ia trazer de regresso ao Barreiro.
Passados uns tempos, talvez no ano seguinte, nova história com os mesmos protagonistas. Eu, os meus avós, um comboio e o Paulinho. E a minha irmã do meio. Apanhamos o comboio para irmos passar o dia a Tróia. Quando saímos na estação de Setúbal eu, por qualquer razão que ainda me escapa, tinha deixado o Paulinho dentro do comboio. Comecei com um berreiro como se não houvesse amanhã e o meu avô, coitado, só teve uma solução. Saltar para o comboio, que já estava em andamento enquanto gritava para a minha avô ir andando connosco para a praia que ele iria lá ter. Felizmente, como empregado da CP (Comboios de Portugal) não tinha de pagar bilhete e pode ir até à estação seguinte, e regressar sem problema (se bem que acredito que o meu avô teria feito exactamente o mesmo se isso implicasse custos para ele).
Se estas duas histórias se passaram quando eu era criança, a terceira história que vos trago passou-se quando eu tinha dezoito ou dezanove anos. Em minha defesa, e antes de me adiantar mais, quero explicar duas coisas. É que nunca gostei de discotecas, detesto sentir fumo nos olhos e adoro dormir. Dito isto, vamos voltar à história. Os meus pais resolveram oferecer, a eles e às três filhas uns dias em Londres. Como é óbvio, conhecer uma cidade como Londres implica levantar cedo, deitar tarde e andar muito. A determinada altura o cansaço instala-se (continuo a tentar defender-me) e tomamos atitudes estranhas (ou não… ou não). Os meus pais e as minhas irmãs quiseram ir conhecer aquela que, na época, era uma das maiores discotecas de Londres. E eu, que queria era ir dormir, resolvi fazer birra. Sim, birra. Daquelas de bater o pé e prender o burro. Com direito a lágrimas e tudo. Eu bem dizia que ia sozinha para o hotel, que me ardiam os olhos, que queria ir dormir mas ninguém me ligou. Fui verdadeiramente forçada a ir à discoteca. Sabem do que me lembro? De mim, a um canto, braços cruzados, olhos a arder, com umas trombas que mais parecia um elefante e furiosa porque os meus pais e as minhas irmãs estavam a divertir-se imenso… e a gozar comigo, pois claro.
As histórias não terminam aqui… há tantas, mas tantas, para contar das nossas férias em família que pode ser que volte a este tema.

domingo, 6 de junho de 2010

Carta ao amor que mora longe

Foto de Linda Veit
Tem dias assim meu amor
Que a alma se pinta de inverno
A distância cala as certezas
Perde-se o sentido de eterno

Tem dias que o sol não devia nascer
Prolongar no dia a severa noite
Pendurar as horas na espera de ti
Saborear a ausência como açoite,

Que me vergasta o querer
Dobra-me o sentir, veste-me de ti,
Despe-me de mim, já nada sou
Do que sonhei e construí.

Vou riscar os dias do calendário
Todos os que sofro da tua ausência
Contar só os que vivo contigo
Porfiá-los por horas de pura demência

Escreve-me na volta desta carta
Fala-me do teu desabrochar em flor
Dá-me ensejos, sorri-me de novo,
Que tem dias assim meu amor…

José Alberto Valente

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Crónicas da realidade num espaço irreal


Foto de Alberto Pérez
Tratando-se a internet dum espaço irreal, ou, pelo menos, dum espaço não palpável, poder-se-ia pensar que a sua realidade nunca se cruzaria com a realidade da vida real.
No entanto a verdade é que, cada vez mais, são duas realidades que se cruzam muitas das vezes sem que os intervenientes tenham essa percepção. É um e-mail de trabalho que se envia para ali, é um amigo ou amiga que se reencontra por culpa das redes sociais, é um blogue que se visita e que, rapidamente, se torna local de peregrinação, é um texto que se coloca e que é mal interpretado por alguns e que leva a uma troca de palavras menos agradáveis. São amizades reais que nascem por força do convívio virtual num espaço irreal e outras que se perdem por se descobrir que aquela pessoa que julgávamos conhecer desde sempre, e de quem até gostávamos, não é quem pensávamos.
Cabem, neste espaço da internet, irreal ou virtual, histórias de todos os géneros, para todos os feitios e com todos os fins. Uns mais felizes que outros, alguns divertidos, outros mais sérios, este aqui com consequências más, aquele dali foi o melhor que podia ter acontecido.
E é engraçado, ou não, perceber que esta realidade já chegou até as mais altas esferas sociais!
Em suma, a realidade da internet não é nada mais, nada menos que uma transposição do que se passa na vida real.
O problema é que, muitas vezes, por se estar a coberto dum nickname e sem que nos vejam, baixa-se a guarda e tem-se atitudes que não se teriam em situações normais. Reside, neste factor, uma boa parte da culpa dos problemas que são conhecidos. Ninguém, no seu perfeito juízo, começa a dar os seus dados pessoais a alguém que tenha conhecido no café da esquina ou os afixa num placard do supermercado. Então o que leva a que dêem esses mesmos dados em salas de chat ou em sites?
É preciso reflectir sobre o que se disponibiliza na internet. Temos, neste espaço irreal, de respeitar a nossa própria privacidade como o faríamos num qualquer espaço real, com pessoas de carne e osso em vez de avatares ou nicknames.