terça-feira, 1 de abril de 2008

Génesis

Foto de Janusz Taras


Aqui
onde quase todas as coisas adormecem
sem nunca terem sentido a força de teus braços
criei pastosas raízes
à terra
à rocha
ao íngreme acutilante da fraga
aos mais ínfimos espaços.

Sento-me na poeira fina libertada pó d’argila
p’lo talhe penetrante da charrua.
Mimo o corpo em residência primeira
na seiva d’erva azeda
póstuma sementeira golpeada p’la enxada.
Deixo que o cheiro doce da madrugada me possua
cada poro
cada camada dérmica
cada película tenra de alma
cada língua d’água libertada gota a gota em deriva.

Há aqui um tempo calmo, amado,
um tempo leve
espessado na frescura voluptuosa de um tule –
tão leve, tão táctil, tão brando -,
um afago azul inverosímil de tão terno
e o registo antigo
das tuas mãos depostas na concha púbica do prazer
a fiar
a cerzir
a tecer
em tear líquido de linho
um orgasmo
um gemido do mais divino bem-querer.

Aqui
onde quase todas as coisas adormecem
sem nunca terem sentido a força anímica de teus braços
há o encantamento reconhecido se provindo do silêncio genésico e uterino.


Este poema foi escrito pela Mel Carvalho, uma boa amiga, uma excelente pessoa de quem gosto bastante.
A Mel é muito versátil, tanto escreve poesia (como podem verificar no blogue
http://noitedemel.blogs.sapo.pt/) como prosa (no blogue http://noitedemel.blogspot.com/). E sempre com qualidade.

3 comentários:

  1. Minha querida Pedrita,
    honra-me ver aqui postado este meu poema. Mas muito mais me honram e sensibilizam as palavras que me dedicas.
    Espero sempre e para sempre ser delas merecedora. Tudo farei nesse sentido.

    Bem-hajas! Beijo d(a)e Mel

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  2. Lindo!!! Fiquei encantada com este poema.
    Obrigada às duas pelo excelente momento que aqui nos deixaram.

    Beijos

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  3. A Mel escreve de uma forma única. É das poucas pessoas que tenho sempre dificuldade em comentar, pela imensa qualidade que possui.

    O poema é como ela própria: divino!

    Beijo a ambas

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